Semelhanças entre as habitações vernaculares de Santana e as habitações “Gassho-zukuri” do Japão

No Japão rural existem três aldeias históricas que fazem a delícia daqueles que querem conhecer os modos de vida tradicionais nipónicos. Estas aldeias históricas com cerca de 400 anos são Ogimachi em Shirakawa-go, Suganuma e Ainokura em Gokayama, todas elas também hoje Património Mundial da UNESCO desde 1995.

Estas aldeias têm em comum uma cultura própria decorrente do isolamento em que viveram devido as enormes dificuldades nas acessibilidades e por serem áreas onde mais neva no Japão. Este isolamento teve reflexos na cultura, nas tradições, e nas edificações que as caraterizam. Esta forma distinta de habitar e construir aproveita os recursos que a natureza dá atendendo a diversidade de arvores e outras plantas que estas ilhas vulcânicas oferecem.


Estas aldeias localizadas ao longo do Rio Sho-Kawa, são únicas por terem edificações cujas coberturas são feitas de palha com forte inclinação (com cerca de 60º), conhecidas como “Gassho-zukuri”, que significa “mãos juntas em oração”, atendendo a semelhança deste método construtivo com duas mãos que em oração se cruzam entrelaçando os dedos. A finalidade desta cobertura é ser capaz de suportar e escoar a neve que abundantemente cai nestes locais. Estas habitações causam alguma curiosidade atendendo que relativamente a casa japonesa convencional, por serem de maiores dimensões, possuem 3 e 4 pisos, podendo assim acomodar famílias numerosas. Outra curiosidade a assinalar é que nestas casas os seus habitantes também criavam o bicho da seda (sericultura), sendo que nas habitações de maiores dimensões se produzia o papel washi e o nitro, matéria prima de uso na fabricação da pólvora.




Quanto as suas coberturas em “Kaya” (palha de arroz), são presas por amarrações em corda à estrutura de madeira das casas, pelo que não são utilizados pregos, ferragens de nenhuma natureza ou argamassas. As necessárias trocas de componentes resultantes do desgaste e envelhecimento natural é feito de forma comunitária, juntando voluntários naturais da terra e atualmente também de fora, numa prática secular de interajuda que é mais um dos costumes destas populações que viviam isoladas, fortalecendo assim os laços sociais entre os residentes.

Relativamente a utilização destas casas antigamente e conforme a sua dimensão, se organizavam da seguinte forma: o primeiro piso era reservado as famílias, o segundo piso para os funcionários, o terceiro piso era reservado como área de trabalho, sendo que o quarto piso era reservado para o armazenamento dos alimentos e/ou para a sericultura.

As Casa Santana – construção vernacular (Ilha da Madeira)

Distante destas casas Nipónicas e no meio do Atlântico surgem as Casas de Santana na vertente norte da Ilha da Madeira, representando o que resta das construções primitivas que desapareceram dos principais centros urbanos da Ilha que surgiram com o seu povoamento. Estas formas iniciais de habitação caraterizadas também por aproveitar o que a natureza dá, nomeadamente pela utilização das madeiras que em abundância existiam nesta ilha também de origem vulcânica e da palha resultante do cultivo do milho e do trigo apresentam muitas semelhanças morfológicas e construtivas com as edificações “Gassho-zukuri”.



A começar pela forma triangular e a inclinação pronunciada dos seus telhados que neste caso pretendem escoar de forma satisfatória as fortes e frequentes chuvas que no norte da Ilha se fazem sentir. A sua originalidade construtiva reside basicamente na expressividade da composição das suas fachadas, na cobertura que chega praticamente até ao pavimento, nas suas modestas divisões em tabique de canas vieiras, que a par do tabuado do pavimento e do ripado da cobertura interior as tornam no paradigma da arquitetura vernacular regional.

Quanto a mais notória diferença relativamente as casas aqui abordadas do japão está na dimensão das mesmas, substancialmente muito mais pequenas.

Estas habitações tal como as suas congéneres japonesas surgem em zonas onde a pobreza, as difíceis acessibilidades e o distanciamento aos principais centros urbanos se faziam sentir.

Tal como as habitações “Gassho-zukuri”, nas coberturas das “Casas Vernaculares de Santana” não se utilizam as argamassas, pregos ou outro tipo de ferragens. Se utiliza o vime que serve para amarrar a palha utilizada no abafamento da casa, fazendo-se com esta maranhos com as raízes das plantas viradas para cima, permitindo que eficazmente o vime que as amarra as envolva, garantindo que não haja deslizamentos, deixando ao mesmo tempo uma zona de apoio firme para a fileira que se segue. De referir também que neste processo também conhecido por restolhar, participam em regra dois homens, um no exterior e outro no interior, em que o primeiro passa a abafadoura (espécie de agulha com o vime), do exterior para o interior, sendo que o homem que se encontra no interior tem como missão de ajustar enquanto amarra o vime à vara. No exterior a principal tarefa é garantir que os maranhos sejam amarrados assegurando-se a sua horizontalidade, sendo que no fim de cada fieira se dobra a aba balançada correspondente, que é cozida cuidadosamente de forma a emoldurarem e protegerem a fachada no seu conjunto.




Ao contrário das congéneres nipónicas as Casas de Santana possuem no máximo dois pisos e organizam-se de forma muito simples para responder a um habitar básico de uma família, cuja principal necessidade é dar teto aos seus habitantes após uma jornada trabalho.

Para finalizar podemos também afirmar que as Casas de Santana tal como as suas “gémeas” japonesas fazem a delícia dos visitantes pelas suas caraterísticas construtivas e morfologia também únicas no mundo. Por tudo isto é dever de todos nós tudo fazer para preservar estas construções que caraterizam uma forma muito própria de ocupação do território insular madeirense e que são também a alma da nossa identidade enquanto povo.

 

Bibliografia e imagens:

CAPARRÓS, Paula Jaén, Enrique Azpilicueta Astarloa. Arquitecturas Reversibles de Japón: Las Casas de Shirakowa-go. Consultado em: 19/10/2020. Disponível na internet:  https://www.plataformaarquitectura.cl/cl/949006/arquitecturas-reversibles-de-japon-las-casas-de-shirakawa-go?fbclid=IwAR2EkMQJav-VYjPCxu…

MESTRE, Victor. Arquitetura Popular. Consultado em: 19/10/2020. Disponível na internet: http://aprenderamadeira.net/arquitetura-popular/

SANTOS, Rubén. O ‘Antes e Depois’ das Casas de Colmo na Madeira. Consultado em: 27/07/2020. Disponível na internet:  https://www.dnoticias.pt/2020/7/27/68246-o-antes-e-depois-das-casas-de-colmo-na-madeira?fbclid=IwAR27eZtutxJbzeqz6DJcv9UiV50ttUo0QqK…

SRTC - Museu Etnográfico da Madeira. Casas Típicas de Santana. Consultado em: 15/07/2020. Disponível na internet: https://www.facebook.com/madeira600ANOS/photos/pcb.3340911879292899/3340911252626295/

GOMES, Filipe Morato. Ogimachia, a Aldeia Conto-de-fadas de Shirakawa-go. Consultado em: 26/10/2020. Disponível na internet: https://www.almadeviajante.com/ogimachi-shirakawa-go/

Guia de Japón. Shirakawa-go y Gokayama: Un Patrimonio de la Humanidad Coloreada de Hojas Otoñales. Consultado em: 19/10/2020. Disponível na internet: https://www.nippon.com/es/views/gu900059/


Comentários

Mensagens populares deste blogue

A simplificação de procedimentos urbanísticos e outras alterações legais conexas

COVID 19 - As transformações urbanas que no futuro se impõem

COVID-19: A retoma das atividades económicas – a restauração