A simplificação de procedimentos urbanísticos e outras alterações legais conexas
No início deste mês foi promulgado o último dos diplomas do muito badalado “Pacote Mais Habitação”, respeitante ao chamado “Simples do Licenciamento Urbanístico” que ao longo de largos meses foi criando expectativas e receios nos sectores económicos envolvidos, em virtude de se anunciar uma importante revolução que permitiria, a partida, desburocratizar e tornar céleres os processos de licenciamento de investimentos imobiliários, em particular os ligados ao fomento de construção nova e a reabilitação nomeadamente para habitação.
O novo Decreto-lei n.º 10/2024,de 8 de janeiro, acaba por ser um diploma que face as expectativas geradas
ficou provavelmente aquém do inicialmente apontado ou anunciado e controverso
quanto aos efeitos que também se espera venha a alcançar. Por tudo isto pretendo
ajudar a clarificar aos interessados das reais implicações que no futuro
imediato se esperam.
Na prática este novo diploma introduziu
alterações no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE), no Regime
Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), no Regime da
Reabilitação Urbana (RRU), no Regulamento Geral das Edificações Urbanas
(RGEU), e no próprio Código Civil, o que
se traduz em importantes alterações legislativas que regulam a construção seja
nova ou a reabilitar, no urbanismo, no ordenamento do território em todo o
território nacional e nas transações comerciais a tudo isto associadas.
Tendo em conta a dimensão destas
alterações legais, apenas versarei neste artigo sobre as principais implicações
que no tocante ao RJUE e ao RGEU são introduzidas, ficando para momento
posterior uma abordagem as restantes.
Assim sendo no RJUE temos as
seguintes alterações:
- É clarificado o enquadramento a
dar as construções modulares de carácter permanente que passam assim a obedecerem
as normas deste diploma legal, acabando com um vazio legal existente;
- São aprofundados os âmbitos e
as abrangências possíveis dos Regulamentos Municipais enquadrados no RJUE, com
vista a uniformizar procedimentos urbanísticos que atualmente, em regra, diferem
de município para município, criando dificuldades desnecessárias aos
intervenientes nas operações urbanísticas. Assim, estes regulamentos deixam de incidir
sobre matérias de natureza procedimental e formal, não podendo abordar matérias
relativas a instrução dos processos que são já enquadrados em legislação
especifica que se destina a identificação da documentação instrutória e a
formalização a dar a cada procedimento. Caberá aos Municípios regulamentar apenas
normas relacionadas com a ocupação dos solos e sobre condições de edificação,
em especial os aspetos morfológicos e estéticos a que devem obedecer os
projetos de urbanização e edificação;
- São introduzidas importantes
alterações no enquadramento dado ao tradicional procedimento de licenciamento,
que será agora em boa medida substituído por um procedimento dito simplificado
ou por um outro de mera comunicação prévia. Assim o enquadramento a dar as
operações urbanísticas estará dependente da densidade de planeamento existente
no território onde se pretende construir, definindo assim o nível ou a
intensidade com que a administração municipal realizará o seu controlo
urbanístico. No essencial é possível se dizer que definidos estejam parâmetros
urbanísticos em plano ou em ato anterior da administração, por exemplo
loteamentos, o até aqui tradicional processo de licenciamento passa a ser
substituído por um novo procedimento simplificado de autorização ou então por
um procedimento de comunicação prévia;
- É aprofundado o princípio da
sujeição a prévia discussão pública dos procedimentos de licenciamento de
operações de loteamento urbano em áreas não abrangidas por planos de pormenor
(PP), por se considerar que os impactos urbanísticos provocados por estas
operações nestas áreas, terão implicações no ambiente urbano existente que
justificam no entender do legislador o envolvimento das populações no respetivo
processo de decisão, ainda que nesse município exista um plano diretor (PDM),
um plano de urbanização (PU), todos na mesma já por imperativo legal sujeitos a
prévia discussão pública;
- Uma outra inovação deste
diploma é a possibilidade de conceção de licença parcial para a construção da
estrutura de um edifício, mesmo sem uma aprovação final. Neste caso o
legislador considera que feita a apreciação urbanística do projeto de arquitetura,
haverá condições de se permitir o início da obra enquanto ocorre a fase de
entrega das especialidades, o que permitirá um ganho de tempo na concretização
do projeto imobiliário;
- Quanto ao procedimento de
autorização é diminuído o grau de controlo feito pela administração municipal,
o que implica uma maior responsabilização dos donos de obra e dos autores de
projetos, reforçando-se por via disto a fiscalização;
- É de destacar a consagração do princípio
da proteção do existente que no âmbito do RJUE não era tão claro. Isto implica
que nas obras já existentes não se aplicam as disposições legais e regulamentares
subsequentes a sua construção, devendo as mesmas não serem obras de ampliação e
que não agravem a desconformidade com as normas em vigor. Se pretende assim
garantir a recuperação de património construído, sem impor aos proprietários,
sacrifícios considerados desproporcionais, permitindo a realização de obras que
visem a melhoria das condições de segurança e salubridade destas construções;
- Neste diploma merece um
particular destaque as alterações introduzidas ao embargo de obras, que passam
agora a ter um caráter provisório e cuja função, segundo o legislador, será de
defender a utilidade das medidas impostas de reintegração da legalidade
urbanística violada, abrangendo o licenciamento ou a autorização da obra, visando
evitar o prolongamento indefinido das ordens de embargo, que acabam por serem
mais penalizadoras da qualidade de vida dos cidadãos e do próprio ambiente, que
supostamente o embargo procura evitar;
- Há também alterações no
deferimento tácito das operações urbanísticas. A sua função é simplificada e restrita
às operações sujeitas a mera autorização. Ao invés do que acontece atualmente,
o promotor fica dispensado do recurso aos tribunais, podendo iniciar a operação
urbanística sem a prévia emissão de alvará, devendo apenas pagar as taxas
urbanísticas que se encontrem devidas.
- Por fim e não menos importantes,
se prevê a existência de uma Plataforma Eletrónica dos Procedimentos
Urbanísticos de utilização obrigatória para os municípios a partir de 5 de
janeiro de 2026, que permita apresentar pedidos online, consultar o estado dos
processos e prazos, receber notificações eletrónicas, obter certidões de
isenção de procedimentos urbanísticos e a uniformização de procedimentos e
documentos exigidos pelos municípios. Além disto se prevê futura submissão de
pedidos e projetos em formato “Building Information Modelling” (BIM),
obrigatório a partir de 2030.
No RGEU as alterações que
entraram já em vigor a 1 de janeiro são as seguintes:
- É eliminada a obrigatoriedade
da existência de bidés em casas de banho;
- Se permite a existência de duches,
em vez de banheiras nas casas de banho;
- Se viabiliza a utilização de
soluções para cozinhas como kitchenettes ou cozinhas “walk through” (confesso
que desconheço esta tipologia de espaços de confeção de refeições);
- São também revogadas várias
normas do RGEU já reguladas de forma mais completa ou atual noutros diplomas ou
que não se conformam com as medidas de simplificação que agora são adotadas;
- Se prevê que a 1 de junho de
2026 o RGEU seja totalmente revogado, existindo para o substituir um novo
Código da Construção que até lá se espera seja elaborado e aprovado.
Finalizando importa referir que
parte destas alterações já estão em vigor desde o primeiro dia de janeiro e em
março entram em vigor a maioria das normas agora introduzidas.
Veremos agora a sua implementação
como correm e se de facto os objetivos de desburocratização e celeridade se
cumprem, num país que precisa rapidamente de mais habitação.
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