COVID-19: A máquina de habitar – a nossa casa
A disseminação do vírus COVID-19
pelo planeta tornou inevitável a tomada de medidas de controlo da pandemia e de
salvaguarda da saúde de cada um de nós, levando aos governos a aconselhar e a
obrigar a todos a ficar em casa, confinados a este espaço que até aqui era mais
um refúgio para o fim-de-semana e um local de descanso ao fim de uma jornada de
trabalho. Portanto a nossa permanência durante o dia se resumia para a
generalidade da população aos fins de tarde, noites e fins de semana,
preenchendo-se os dias ditos úteis para as atividades laborais ou educativas no
caso dos mais novos, que convém lembrar permaneciam também nas escolas, desde
tenra idade, praticamente o mesmo tempo que os pais nos seus locais de
trabalho.
O confinamento a que todos fomos
obrigados, resultantes da chegada deste novo coronavírus, veio mostrar que nem
todas as habitações estão preparadas ou adequadas a um funcionamento durante um
número de horas superior a aquela que até aqui tinham e que na prática não se
tornava necessária ou para uma simultaneidade de usos feito por diversas
pessoas, com idades em regra distintas e com preocupações também elas
diferentes. O teletrabalho ou a frequência de aulas (on-line ou telescola),
para uma família dos dias de hoje, em simultâneo, pode ser difícil de gerir a
vários níveis, se atendemos que progenitores podem ter profissões distintas e
as crianças ou jovens podem estar em níveis escolares também eles diferentes.
As obrigações familiares dos membros também aumentam, pois sujamos mais,
consumimos mais eletricidade, gás, net, água potável de entre outros, o que
implica por consequência a obrigatoriedade de maior responsabilidade de cada um
na gestão desta máquina de habitar, que passa a ter assim um uso mais
intensivo.
A isto importa também acrescentar
outro conjunto de preocupações com as quais diariamente somos confrontados nos
dias de hoje, resultantes das necessárias saídas para deslocações pontuais de
diversa ordem e que obrigam a um conjunto novo de medidas de proteção e de
higiene que até aqui não se consideravam necessárias ou de uso habitual nas
nossas casas, nomeadamente de desinfeção e de acomodação de calçado e de outras
peças de vestuário que pretendemos agora não introduzir de qualquer maneira na
habitação por razões de segurança. Inclusive temos quem queira ter um espaço
onde possa colocar as máscaras e luvas de proteção após o seu uso, enfim novas
necessidades “higienistas”, mais ou menos rigorosas em função de cada família,
que autonomamente se organiza também em função destas e de outras
preocupações.
Há também que distinguir o
habitar que se processa numa moradia que julgo será consensual é distinta do
habitar de um apartamento, não só por razões de economia de espaço, mas também
por causa de outras razões de estandardização e de vizinhança, que acabam de
certa forma de tornar diferente a forma como utilizamos estas habitações, que
tem diversos espaços comuns, desde que se chega ao edifício e se entra no fogo,
o que coloca também um conjunto exigente de novos desafios já não só a uma
família, mas ao conjunto de todas as famílias aí residentes.
Estas novas formas de habitar são
também um importante desafio futuro para todos os arquitetos que terão de ter
em conta esta nova realidade social e familiar. Torna-se imperativo repensar a
habitação, não só como espaço meramente doméstico, mas também como espaço capaz
de ser polivalente ao ponto de permitir outras atividades quer sejam laborais
ou educativas, para além do descanso que necessariamente deve proporcionar. A
habitação tem de voltar a ser o refúgio de cada um de nós.
Talvez seja importante olhar para
o passado e ver que podemos reaproveitar na forma como se vivenciava a
arquitetura habitacional, certamente podemos encontrar soluções hoje adaptáveis
as carências vividas nesta arquitetura doméstica, dando assim respostas as
preocupações de hoje e que serão as necessidades humanas de amanhã.
Neste conjunto de novas
preocupações devemos incluir outras já não tão novas, mas que timidamente
estavam a ser de alguma forma introduzidas que nos permitam poupar energia e
tornar as habitações energeticamente mais eficientes. Pequenas obras de
canalização das águas pluviais para rega de jardins ou pequenas hortas julgo
deverão ser também quase que obrigatórias, tal como garantir que todos
compartimentos e em particular os mais habitados tenham as melhores entradas de
luz e ar, devidamente orientadas, nem sempre tidas em conta por razões
economicistas e com enormes prejuízos para a saúde física e mental de quem
habita. Como se pode constatar é possível melhorar, fazer diferente.
Reinventar é preciso.
Imagem: Vista sobre o Imaculado Coração de Maria, Rua da Carne Azeda, Funchal
Autor: RR
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