COVID 19 - As transformações urbanas que no futuro se impõem


Depois do primeiro embate das nossas comunidades com o novo coronavírus se tornou evidente que há mudanças a introduzir na forma como desenhamos e vivenciamos as nossas cidades. Todos de uma forma ou outra encontramos fragilidades várias que potenciam o contágio e que não ajudam a adaptar as nossas atividades diárias (profissionais, educativas, lazer e outras), as novas necessidades de distanciamento social, proteção, desinfeção e limpeza regular que hoje não podemos de forma alguma dispensar.
As concentrações massivas que até a chegada do novo vírus assistíamos de manhã e a tarde, antes e depois de uma jornada de trabalho ou as grandes aglomerações em áreas ou espaços comerciais ou de lazer, são hoje apreensivas, não só por causa das preocupações antigas relacionadas com o ambiente, mas agora de forma mais direta quando em causa está a saúde “imediata” de cada um de nós e dos nossos entes mais queridos, em particular os mais vulneráveis, onde se destacam os mais idosos ou os doentes. Se era premente repensar o funcionamento das atuais cidades, agora se tornou urgente repensar as mesmas.
As cidades do futuro devem repensar não só a forma como a elas se chega ou se sai, no caso das grandes metrópoles, onde os desafios dos transportes urbanos são enormes e de difícil resolução. Importa também garantir e agora mais do que nunca que a qualidade do ar seja melhor, requisito fundamental para reduzir possibilidades de contágio por vírus como o COVID – 19, que segundo alguns estudos podem ver o seu número de contágios maximizado devido a poluição. 
Cidades policêntricas, de pequena dimensão, onde as nossas casas fiquem relativamente próximas dos nossos locais de trabalho são sem sombra de dúvidas vantajosas em contraponto com as grandes cidades. Se reduzem o tempo de deslocações de e para o trabalho, haverá menos necessidades de transportes para estas deslocações, podendo inclusive se introduzir o transporte não poluente como a bicicleta seja ela elétrica ou não, com ganhos extraordinários não só ao nível da saúde dos seus utilizadores, mas também com ganhos coletivos ao nível da qualidade do ar e da redução substancial da poluição ambiental.

 

Quanto ao trabalho e ao ensino, estamos talvez, num momento chave da sua transformação potenciada pelos meios tecnológicos que temos ao nosso dispor. Acredito que as vantagens vislumbradas no teletrabalho e no ensino a distância ajudarão a mudar também as cidades. Se hoje é evidente para muitos (empresários, dirigentes, funcionários ou colaboradores) as mais-valias obtidas com o trabalho a distância, certamente este será potenciado. E se a isto acrescentarmos a proximidade das nossas habitações aos locais de trabalho, os ganhos a vários níveis tornarão indispensável que esta nova forma de trabalho venha para ficar.
Relativamente ao ensino, julgo que também será diferente no futuro, a introdução do ensino a distância, embora com muito para melhorar, deixou de ser algo experimental e com reservas (mentais) para muitos, que agora se rendem as suas grandes potencialidades. Acredito sinceramente que também fará parte das nossas vidas de forma mais presente no futuro próximo.
Com menos pessoas e menos veículos, a pressão que recai sobre as cidades tende a ser menor, podendo assim libertar espaços para uma maior humanização das mesmas, onde para além de se poder introduzir mais áreas verdes, sendo que a OMS recomenda que por cada habitante as cidades tenham 11m2, importantes não só para promover a necessária qualidade do ar, mas também para promover novos corredores verdes. Inclusive será possível introduzir mais e melhores passeios, não só para se manter eventuais distanciamentos sociais, mas para potenciar o uso das ruas para a importante atividade física que o ruído, a poluição e a falta de espaços devidamente dimensionados afastam. Permitirá também como já aqui foi expresso que se introduza uma rede de ciclovias que potenciem a utilização de transportes de duas rodas não poluentes e que são também interessantes para o desenvolvimento de atividades físicas saudáveis e que ajudarão a reduzir importantes e significativas doenças que com o sedentarismo obrigavam aos nossos sistemas de saúde a gastar avultadas somas de dinheiro no tratamento das doenças com origem ociosa. Ganhamos todos, não só ao nível da saúde individual, mas também coletiva, com ganhos também ao nível da despesa pública dos Estados e das Regiões, no tocante ao tratamento de certas doenças decorrentes da inatividade das populações.
O surgimento de mais áreas verdes, e a proximidade a aglomerações urbanas de dimensão semelhante nos vários níveis da hierarquia urbana, potenciará por exemplo um novo relacionamento comercial com pequenos produtores agrícolas, com ganhos não só para estes mas também para todos nós na qualidade no que podemos consumir e trazendo para as áreas periféricas e até aos centros históricos ou mais urbanos um verde circundante, que até nalguns casos, poderão ser de pequenas hortas desenvolvidas, porque não, nas nossas casas. Caraterísticas de uma certa ruralidade que importa resgatar, que mitigam efeitos de vulnerabilidade decorrentes das alterações climáticas e são importantes para o relacionamento vicinal que hoje quase se perdeu.
E aqui é importante se introduzir o tema das desigualdades que importa combater entre periferias e centros mais urbanizados ou consolidados, onde todos tem direito a qualidade de vida e onde os serviços e os equipamentos devem ser distribuídos de forma que cheguem em qualidade a todos. O combate a clandestinidade deve ser real, requalificando as áreas que hoje esperam por essas intervenções e levando todas as preocupações e soluções aqui expressas também a estes locais. O investimento municipal no futuro próximo deve contemplar ações diria urgentes para estas áreas, locais que como se pode hoje ver com o aparecimento COVID – 19, são ainda mais vulneráveis atendendo a densidade populacional existentes e as carências que ao nível do espaço e do equipamento público são evidentes e que potenciam infeções como estas que agora enfrentamos. Fazer cidade é também acautelar e prevenir, não ignorar.
Se desejamos encontrar respostas satisfatórias que permitam reduzir a vulnerabilidade individual e coletiva em termos de saúde, que permitam ao mesmo tempo mitigar ou anular efeitos nefastos também ao nível económico e social, temos de ser pragmáticos e introduzir as melhorias que se impõem nas nossas cidades, nas nossas vilas, nas nossas ruas, nas nossas atividades laborais e até nas nossas casas. Todos temos de investir num futuro diferente e melhor. Todos temos de olhar para os centros e as periferias como um organismo só, que depende de todas as suas partes e onde todos devemos poder viver em segurança e com qualidade de vida.
Cabe-nos a todos fazer tudo para promover estas transformações, é a saúde que nos deve motivar, mas também o futuro de todos. Devemos ver nesta contingência uma oportunidade para reinventar-nos mais uma vez enquanto sociedade, enquanto humanidade.



Sobre estas preocupações deixo-vos também alguns textos para leitura publicados recentemente nalguns meios de comunicação social:



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